Homenagens à Professora Emérita Eunice Durham

prof. eunice durham

"Não há sequer como enumerar, nesta homenagem, os pontos relevantes da trajetória da professora, pesquisadora, intelectual e militante Eunice Durham, falecida no dia 19 de julho de 2022. 

Antropóloga, antes de mais nada: não deixa de chamar a atenção um detalhe no depoimento que fez a Lilian de Lucca Torres em 2009, na revista Ponto Urbe: a jovem Eunice, em seus 15 anos, ainda no ensino médio, leu um dos textos clássicos de Bronislaw Malinowski. Detalhe que marcou sua trajetória e deixou um legado, pois a obra desse pioneiro de nossa disciplina foi o tema  da livre docência, em 1983 – A Reconstituição da Realidade – e como não lembrar da sua  participação na consultoria e revisão da edição brasileira de Argonautas do Pacífico Ocidental na coleção “Os Pensadores” (1978)?  

Este e outros clássicos foram presença determinante em sua formação acadêmica na então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, da graduação (1951-1954) até a pós.  Tanto o mestrado “Mobilidade e assimilação: a história do imigrante italiano num município paulista” (1964) e o doutorado “Migração, trabalho e família: aspectos do processo de integração do trabalhador de origem rural à sociedade urbano-industrial” (1967) tiveram a orientação do professor Egon Shaden – não sem polêmicas.... São trabalhos representativos de temas que, na época, constituíam questões relevantes para o entendimento das mudanças pelas quais passava o país, principalmente São Paulo, de uma configuração agrária rumo a uma estrutura urbano-industrial. 

Neste ponto é importante ressaltar o protagonismo de gênero, avançado para a época, no campo acadêmico. Juntamente com a inseparável colega Ruth Cardoso, abriu espaço, numa área de conhecimento tradicionalmente vinculada à etnologia indígena, para estudos urbanos não apenas para suas próprias pesquisas, mas para as de seus orientandos, tendo em vista as rápidas e profundas transformações pelas quais passava a população da periferia urbana, no caso de São Paulo.

E a Antropologia aí tinha muito a dizer, até por conta de seus temas habituais –- família, parentesco, vizinhança, medicina popular, festas tradicionais e rituais religiosos – só que agora voltados para o modo de vida dos moradores dos bairros periféricos: imigrantes estrangeiros, retirantes do Nordeste, caipiras paulistas... Seu livro “A Caminho da Cidade: a vida rural e a migração para São Paulo” (1973) reflete essa preocupação.

Mas a incansável Eunice não se restringiu à academia, como professora e pesquisadora: exerceu relevante papel na   política científica: foi presidente da Associação Brasileira de Antropologia(ABA) nos períodos 1978-1980 e 1982-1984 com decisiva atuação na Fundação Nacional do Índio (FUNAI)  em confronto com a ingerência militar em tempos de ditadura;  integrou o Comitê Acadêmico da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS) no biênio 1987-1988; presidiu a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) em 1990 e 1991  e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC); foi Secretária de Ensino Superior no Ministério da Educação e  membro do Conselho Nacional de Educação;  uma das fundadoras do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP)  em 1969  e do  Núcleo de Pesquisas sobre Ensino Superior da USP (NUPSS), instituição  interdisciplinar que entre 1989 e 2005 pautou discussões sobre o ensino universitário brasileiro. 

E para finalizar este registro de seu legado não se pode deixar de ressaltar a importância da formação, durante quatro décadas, dos anos 1970 até inícios de 2000, de levas de estudantes hoje atuando em diversas instituições, em todo o país e não só do ensino superior. A começar pelos encontros com os alunos, compartilhados com Ruth Cardoso nas animadas “reuniões da segundas feiras”, com leitura e discussão de autores até então alheios ao cânone antropológico convencional – Louis Althusser, Nicos Poulantzas, Antônio Gramsci, Manuel Castells, Jean Lojkine, Richard Hoggart entre outros,   sem esquecer, claro,  Claude Lévi-Strauss –  até os diálogos constantes com seus alunos e as orientações formais de mestrado e doutorado." 

Somos gratos a ela.

-Assina professor José Guilherme C. Magnani pela Associação Brasileira de Antropologia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social e Departamento de Antropologia da FFLCH/USP

"Eunice foi uma grande pessoa, uma grande inteligência, com independência de espírito e muita coragem pessoal. Quando presidente da ABA, enfrentou, em plena ditadura, os militares entrincheirados na Funai. Ela foi uma daquelas pessoas únicas de quem se quebrou o molde."

-Prof.ª Dra. Manuela Carneiro da Cunha

"Eunice Durham foi a professora que me cativou para a antropologia. Por conta de querelas institucionais e políticas, ela estava na área de Ciência Política quando fui aluno de Ciências Sociais na USP. Foi com Eunice, no remoto ano de 1978, que aprendi a ler Rousseau, notadamente “O discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens”, na disciplina de teoria política clássica. No semestre seguinte resolvi me matricular em sua disciplina eletiva, então rebatizada de “Sistemas Simbólicos e Ideologia Política”. O programa era raro, combinando marxismo e antropologia. Severa e inteligente, seca mas cativante, fumando sem parar, Eunice nos mostrava que a antropologia podia oferecer orientações e perspectivas proveitosas para compreender como a desigualdade era vivida, pensada e enfrentada por quem a sofria. Insistia na importância de compreender a ação, o pensamento e os projetos de pessoas reais em contextos carregados de dominação política e econômica, com suas complexidades e contradições. Seus instigantes ensaios produzidos na virada dos anos 1970 para 1980 (“A  dinâmica cultural da sociedade moderna,”, “Cultura e ideologia”, “Movimentos sociais: a construção da cidadania”, “A pesquisa antropológica com populações urbanas”) guiaram meus primeiros esforços de pesquisa e reflexão, assim como de vários colegas e companheiros de geração. Lições e posturas que marcaram um tempo e uma formação."

-Prof. Dr. Júlio Assis Simões

"É com imenso pesar que a Anpocs comunica o falecimento de Eunice Ribeiro Durham, aos 89 anos de idade, na tarde de hoje, 19 de julho. Mestra de gerações de antropólogos, antropólogas e cientistas sociais, a Profa. Eunice teve papel decisivo nas ciências sociais brasileiras deixando importante legado intelectual e também público e institucional no campo da educação superior, além de muitos amigos e ex-alunos e ex-alunas na nossa comunidade. Sua participação na Anpocs foi sempre marcante, tendo integrado o nosso Comitê Acadêmico do Biênio 1987-1988. A Anpocs se solidariza com seus amigos e amigas, alunos e alunas e familiares, especialmente seu filho, nora e netos a quem enviamos nossos mais sinceros sentimentos."

-André Botelho, Presidente da Anpocs

"É com enorme tristeza e dor que comunicamos o falecimento ocorrido hoje da Professora Eunice Durhan, que por muitos anos dirigiu e inspirou a vida intelectual e academica do Nupps. Eunice foi uma voz em defesa da pesquisa em torno de grandes desafios das politicas publicas, especialmente do ensino superior. Nesse sentido, teve papel importante no Conselho Nacional de Educacao e no Ministerio da area.
Sentimos profundamente a perda que significa o seu passamento."

-Nupps

Homenagem à professora eunice

-Prof.ª Dra. Lília Schwarz

Entrevista da Professora Eunice à Revista Ponto Urbe

Entrevista da Professora Eunice à Revista FAPESP em 2016

Homenagem feita pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência

Texto do Jornal da USP