No dia 21 de Outubro às 14 horas, O LISA realizará a Quimeras no Cinema, mostra de cinema compartilhado, uma inciativa do Festival de Arte e Cultura, fomentado pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária nos termos da Resolução CoCEx 8451, de 30 de julho de 2023. A Mostra contará com exibição dos filmes e posteriormente debate com alguns realizadores.
Filmes em exibição:
- Carlos Caps Drag Race 2022. 25'. dir: Mirai Andrei Leaha
- Jail Birds 2024. 10'55''. dir: Kelly Koide
- Montando a Baiana 2024. 12. 11'25''. dir: Kelwin Marques Garcia dos Santos e Aurélio Prates Rodrigues
- Tabuluja (Acordem!) 2017. 11'25'' dir: Shambuyi Wetu, Rose Satiko e Jasper Chalcraft
Texto Curatorial:
O cinema, quando atravessa a antropologia, torna-se espaço de encontro. Mais do que representar, ele compartilha olhares, ressignifica experiências e permite que vozes diversas montem suas narrativas. Esta mostra reúne filmes em que a tela é corpo, rito e arquivo, e em que a observação participante se converte em gesto de cumplicidade. Entre drag queens que se montam no camarim e baianas ricas que cruzam a avenida em diálogo com ancestralidades, entre um artista congolês que transforma seu corpo em performance da diáspora e uma pintora norte-americana que denuncia o encarceramento em massa, o que emerge é um cinema da partilha: fragmentos que, ao se juntarem, formam uma quimera.
A noção de quimera, vai para além do ser mitológico, a quimera aqui representa uma imagem múltipla e fragmentária, que convoca o olhar à completá-la e ressignificá-la no encontro, essa multiplicidade de histórias esparsas a um primeiro olhar, atrelado a junção de diferentes olhares como numa sala de cinema potencializa essa noção.
Em Montando a Baiana e Carlos Caps Drag Race, a montagem se revela como potência de transformação, tanto no cinema quanto nos corpos. Em Montando a Baiana, o gesto de se montar ultrapassa a casualidade, o ato técnico e aproxima-se do ritual: travestis, bichas e outros corpos dissidentes ocupam, desde meados do século XX, a figura da Baiana Rica nos cortejos do maracatu, afirmando sua presença entre memórias ancestrais e femininos mais-que-humanos, como Yabás, Mestras de Jurema e Pombagiras. Aurélio, Mestre Maurício Soares e Macaxeira dão voz a essa história, em diálogo com a memória de Maria Aparecida, arquétipo da Baiana Rica. Já em Carlos Caps, vemos três drag queens brasileiras: Satine, Di Vina Kaskaria e Gabeeh Brasil prepararem-se para uma Drag Race (Competição artística entre drag queens) em São Paulo. Entre maquiagem, figurino e confidências, cada montagem revela a drag como multiartista, corpo que se reinventa e se expõe em performance. Na avenida do maracatu ou no palco da festa Caps Lock, o ato de montar-se é sempre criação de mundos possíveis: um gesto que mistura arte e política, tradição e ressignificação, performance e montagem.
Em Tabuluja (Acordem!) e Jail Birds, a tela e a performance se encontram como espaços de denúncia e reinvenção. Em Tabuluja (Acordem!), Shambuyi Wetu, artista congolês refugiado em São Paulo, transforma o próprio corpo em palco e tela viva: cada gesto encena a experiência da diáspora e reinscreve a condição do homme noir no mundo. Suas performances, criadas em colaboração com os antropólogos Rose Satiko Hikiji e Jasper Chalcraft, são rituais de sobrevivência e afirmação, onde arte e vida se confundem. Em Jail Birds, a norte-americana Henrietta Mantooth, artista plástica e militante contra o encarceramento em massa, também faz da tela uma performance política. Suas pinturas de aves aprisionadas ecoam os corpos negros e latinos confinados nas prisões dos EUA, ao mesmo tempo em que sua presença no ateliê e na montagem da exposição é parte da própria obra. Colocados lado a lado, os dois filmes revelam como corpo e tela, em geografias distintas, podem se tornar armas simbólicas contra a violência estrutural: performances insurgentes que, ao expor feridas, criam brechas de futuro.
Esses filmes não apenas documentam, mas montam uma quimera: baiana, drag, pássaro e corpo em trânsito. Por meio da junção dessas experiências, não apenas na diegese, mas também no trabalho por trás das câmeras e na percepção da plateia, esta mostra se propôs a apresentar produções nascidas de olhares compartilhados desde sua idealização. Filmes feitos em colaboração entre pesquisador (antropólogo), equipe técnica e personagens se desdobram aqui em um universo ampliado pelo conceito de quimera: a curadoria, os olhares e reações da plateia, as trocas no cinedebate e as visões dos debatedores compõem juntos uma montagem aberta. Cada fragmento: reações, ideias, performances e corpos diversos torna-se parte dessa amálgama viva que ressignifica continuamente o que vemos e experienciamos, todos esses olhares juntos constroem nossa quimera no cinema.
Curadoria: Marcelo Matos e Carlos Eduardo Conceição
Revisão: Rose Satiko Gitirana Hikiji
Produção: Vanessa Menezes Munhoz